Bruno Sergio Veras de Morais
Brasília/DF
O homem do povo possui uma sabedoria prática de grande beleza e amplitude filosófica. Fruto da labuta diária – da dor, da esperança, do sofrimento, das decepções, da experiência, das desilusões, da renúncia, da coragem, do entendimento, da percepção social, da alegria, da solidão, da vaidade, do egoísmo, da esperteza, da empatia, da bondade, do amor, da maturidade psicológica e espiritual, da inteligência, da intuição, da reflexão, da mentira, da verdade, do viver.
Os ditos nos ensinam verdades sociais, filosóficas e espirituais. Revelam a importância da atenção plena, a compreensão imediata e direta daquilo que é essencial.
A humanidade embotada por utopias rasteja na lama do apego sensorial. E não percebe a dimensão do SER. Perdida em ilusões de poder se apega ao transitório. Esquecida das lições da História caminha para a destruição do homem e da Natureza.
O saber popular é um farol que guia o viajante (o homem solitário e cônscio de suas fraquezas e limites) em sua eterna luta pela sobrevivência. Porto seguro contra muitas armadilhas e perigos inesperados.
Os ditados populares podem ensinar algo ao goísta iniciante? Podem ser aplicados ao entendimento do jogo de Go? Revelam princípios estratégicos e táticos? Alertam para os desafios da partida? Convidam para o bom combate – ético, justo e certo? Ensinam paciência, resignação, determinação e sagacidade – virtudes tão necessárias para a superação dos momentos de incerteza como aqueles que vivem entre um lance e outro?
Depois da tempestade, vem a bonança
Nenhum jogador pode manter a iniciativa (sente) durante toda a partida. O adversário ganhou a iniciativa? Aguarde o momento da mudança. E, com firmeza, tome a iniciativa. Mesmo sob intenso ataque perceba que tudo passa… Se você possui iniciativa jogue com cuidado. Valorize suas jogadas. Procure sempre os melhores lances. A vantagem da iniciativa é transitória.
Não há rosas sem espinhos
Nada pode ser criado sobre o tabuleiro sem barganha (furikawari). Se você conseguiu vantagem territorial, seu adversário ganhou algo. Provavelmente poder ou iniciativa. Se o poder foi conseguido, seu adversário foi beneficiado em algo. Porém… aquilo que foi conseguido como aparente vantagem pode ocultar a derrota. E uma situação de derrota (local ou global) pode ser rica em recursos estratégicos ou táticos.
Nem tudo o que reluz é ouro
Desconfie dos lances tolos e inofensivos. Muitos tombaram pela imprudência. Quantas “partidas ganhas” são perdidas devido a falta de atenção? Basta um lance para ganhar ou perder a partida. Quanto mais forte o jogador maior sua capacidade de leitura (análise). Quanto mais forte, mais sutil e matreiro. E mesmo que seu adversário seja grande capivara. Lembre que todo capivara possui seu dia de mestre.
O fruto proibido é o mais saboroso
Quantos goístas iniciantes ficam intimidados pelo grande território potencial (moyo) criado pelo adversário? Ou sentem medo das formações defensivas (shimari) que guarnecem os cantos? Ou desistem facilmente de uma luta de vida ou de morte (semeai)? Os grandes territórios são invadidos ou reduzidos porque se não forem atacados se transformam em território. Qualquer canto guarnecido por uma formação defensiva pode ser tomado ou defendido – depende da capacidade técnica de quem ataca e de quem defende. O desafio da luta de vida ou de morte pode ser superado. Para tudo… o importante é ousar!
Quem não pode aguentar o calor, não vai à cozinha
Evite entrar em combate se estiver em desvantagem. A chance de ser derrotado (local ou globalmente) é grande. Se você está na área de influência do adversário lembre do ensinamento: “Se um grupo fica isolado numa área de influência hostil, escolha o caminho pacífico”. Mas se o combate é inevitável… procure fazer uma boa comida…
Com um só golpe, não se derruba uma árvore
A partida de Go se desenvolve em três fases. Abertura (fuseki), meio jogo (chuban) e final (yose). Não tente ganhar a partida rapidamente. Atacando de forma precipitada, você estará semeando a derrota. Procure obter as melhores posições do tabuleiro. E assim, aos poucos, desenvolva seu plano de ataque ou defesa. A experiência comprova que é sábio buscar os cantos, depois os lados e por fim o centro.
Em terra de cegos, quem tem um olho é rei
Sim. Mas em Go é preciso ter dois para viver. Fique atento durante toda a partida para os lances que dificultem ou roubem a possibilidade de fazer olhos. Isso debilitada a posição adversária ou a sua se o adversário dominar os pontos vitais. E se seu grupo tende a ficar isolado, examine a posição. O adversário pode impedir a formação do segundo olho? Onde? E examine a formação do olho. Às vezes ele é falso.
Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura
Tenacidade é uma grande virtude. Ela é a responsável pela realização de nossos sonhos e desejos. Sem persistência ficamos à deriva – no jogo de Go ou na vida. Quando decidir realizar um ataque, realize com determinação e persistência. Vá até o limite das possibilidades. Se a defesa é uma necessidade, que ela crie grandes dificuldades para o adversário – com lances fortes e aguerridos. Mas não insista quando perceber que uma estrutura está perdida (ou pedra) ou o ataque for completamente refutado. Saber quando parar também é uma grande virtude.
Gato escaldado tem medo de água fria
Procure aprender com as derrotas. Vitória e derrota são duas impostoras. Mas é mais fácil descobrir o nosso verdadeiro nível técnico nas derrotas. As partidas vencidas estimulam a vaidade e escondem as nossas fraquezas. Enfrentando a derrota aprendemos a vencer.
A pressa é inimiga da perfeição
Não jogue de forma irrefletida. No jogo de Go, uma pedra posicionada sobre o tabuleiro não pode ser depois movimentada para corrigir a sua fraqueza. Jogando sem pensar, aqui e ali, você perderá oportunidades de ouro ou debilitará suas estruturas. Procure sempre entender o significado dos lances realizados pelo adversário. Contudo, a intuição é uma águia de voo alto e soberano…
Erva ruim a geada não mata
Em tudo existe uma qualidade. Cada pedra, cada estrutura, cada pedra aprisionada. É uma marca de fogo, um aroma persistente, uma condição dominante e peculiar. Sabor (aji) é o termo utilizado em Go para indicar uma condição (o potencial futuro) boa ou má de uma dada posição. Ou seja, aji indica possibilidades… Suas ou de seu adversário. As pedras aprisionadas podem ser ervas ruins. Fique atento.
Jacaré parado vira bolsa
O jogo de Go possui cadência de movimentos. Lance preto, lance branco. A velocidade na construção das estruturas decorre do espaçamento entre as pedras. Evite posicionar as pedras muito próximas umas das outras. Principalmente durante a abertura (fuseki). O vazio é pleno. Sobrecarregar uma área do tabuleiro com excessiva quantidade de pedras, em geral, é improdutivo e ineficiente. Mas já foi dito que quem corre muito rápido, cansa rápido. Harmonia de movimentos é a adaga dos mestres.
A mentira tem pernas curtas
Tente fazer o melhor lance. Sempre. Não espere o adversário errar ou ler de forma equivocada uma posição. Faça sempre o seu melhor. Jogar errado na esperança de obter a vitória é uma atitude deselegante e pouco construtiva. O aperfeiçoamento técnico será prejudicado. Jogada ardilosa (hamete) faz parte das ações táticas. Mesmo ela pode resultar em grandes prejuízos para quem a realiza.
Vão-se os anéis e ficam-se os dedos
O jogo de Go é uma guerra de muitas batalhas. Não se apegue em demasia ao material. “Se estiver em perigo, abandone algo” ensinam os mestres. É melhor perder um grupo de pedras, muitas vezes de pouco valor, do que ter o equilíbrio global da partida comprometida. Abandonando essas pedras você poderá recuperá-las em outro momento da partida ou obter uma melhor posição em outra parte do tabuleiro.
Zebra sem lista é cavalo
Cada pedra ou agrupamento posicionado sobre o tabuleiro realiza um tipo de trabalho. Num grupo de pedras nem todas possuem o mesmo valor. O mesmo ocorre entre os grupos. Saber qual a pedra ou grupo de pedras é importante exige leitura sistemática das posições. A pedra-zebra que você despreza pode ser a mais importante da posição. Atenção na leitura da qualidade das pedras. Pensando que é zebra, você pode perde um puro-sangue.
Pela boca morre o peixe
A cobiça é um dos grandes entraves para evoluir e compreender o jogo de Go. Cobiça por território, captura de pedras, forte rank, vitória. Onde existe a cobiça existe apego e a mente perde a capacidade de julga com equilíbrio e a tomada de decisão fica comprometida. Tentando obter uma vitória esmagadora, você poderá perder de forma humilhante. Capturando todas as pedras fracas do adversário, você poderá encontrar a destruição de suas próprias formações. Já foi dito pelos mestres: “A cobiça não traz a vitória”.
Referência Web
http://www.deproverbio.com/DPbooks/VELLASCO/INTRODUCAO.html http://www.geocities.com/Athens/Atrium/2800/
Bibliografia
An-Po, Ambrosio Wang. El Cercado – Un Milenario y Fascinante Juego Chinio; versão eletrônica de Luis E. Juan, PDF eBook, 2004.
Pernía, Horacio A. Go para Principiantes, PDF eBook.
Shin, Wang Chi. GO: Los Diez Mandamientos; tradução de Horacio A. Pernía; comentários de Otake Hideo, PDF eBook , 2004
Nota
Título: Aforismos Heterodoxos
Versão 1 publicada em 3 de junho de 2007
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